O sol brilhava no céu azul sem nuvens, espalhando calor por toda a cidade. O riso infantil ecoava pelas ruas de pedra enquanto Lucien corria, o cora??o pulsando de alegria, as pernas leves como nunca antes. Seus sapatos novos batiam contra o ch?o firme, e a brisa suave acariciava seu rosto.
Ele olhou para trás, vendo seus amigos logo atrás dele. Pierre e Tomas riam enquanto tentavam alcan?á-lo.
— Você nunca vai conseguir me pegar! — Lucien gritou, desviando por uma esquina e entrando em um beco estreito.
— Isso é trapa?a! — Pierre protestou, a voz ofegante.
Lucien apenas riu, o som genuíno e despreocupado, enquanto continuava correndo. Sua casa ficava a apenas alguns quarteir?es dali, e sua m?e havia prometido um doce se ele chegasse a tempo para o jantar.
Ele nunca havia sentido tanta liberdade. Nunca havia sentido tanta felicidade.
Ao virar outra rua, deparou-se com um pequeno mercado movimentado. As barracas estavam cheias de frutas frescas, p?es recém-assados e tecidos coloridos. Ele desacelerou, sentindo o cheiro delicioso das tortas de ma?? sendo vendidas ali.
— Lucien! — Uma voz chamou.
Ele se virou e viu uma mulher familiar. Marília, a vendedora do café, sorriu para ele com gentileza.
— Como est?o sua m?e e sua irm?? — ela perguntou, empilhando alguns p?es em uma cesta.
— Est?o ótimas! — Ele respondeu com orgulho. — Mam?e está preparando algo especial para o jantar hoje.
Marília riu, balan?ando a cabe?a.
— Ent?o vá logo para casa, antes que sua irm? coma tudo sozinha!
Lucien sorriu e acenou, voltando a correr.
Sua casa era grande e acolhedora, com um jardim na frente onde Lucy brincava com seu gato. Quando ele chegou, ela correu até ele, os olhos brilhando de entusiasmo.
— Lucien! Você demorou!
— Eu estava jogando pique-pega! — Ele disse, bagun?ando o cabelo dela. — Ganhei de novo.
Lucy cruzou os bra?os, fingindo estar emburrada.
— Você sempre ganha.
— Porque eu sou o melhor!
Ela revirou os olhos, mas logo sorriu e puxou seu bra?o.
— Mam?e está esperando!
Lucien seguiu sua irm? para dentro de casa. O aroma de comida quente preencheu o ambiente, e o som do fogo crepitando na lareira trouxe uma sensa??o de paz.
Sua m?e estava na cozinha, mexendo uma panela, e seu pai lia um livro na sala, ocasionalmente lan?ando olhares carinhosos para os filhos.
— Vocês chegaram na hora certa. Lavem as m?os e venham comer! — a m?e disse, com um sorriso amoroso.
Lucien obedeceu rapidamente e se sentou à mesa. Seu prato estava cheio, e ele comeu cada mordida com prazer, sentindo-se completo.
Felicidade.
Ele nunca quis que aquele momento acabasse.
Os dias passaram assim, um após o outro, como se fossem moldados pela perfei??o.
Ele brincava com Lucy no jardim, ia à escola e ria com seus amigos. Pierre e Tomas estavam sempre ao seu lado, inventando novas brincadeiras e explorando cada canto da cidade.
às vezes, ele ajudava sua m?e no mercado, carregando sacolas pesadas, e ela sempre o recompensava com um doce. Seu pai, quando voltava do trabalho, passava tempo com eles, contando histórias antigas sobre cavaleiros e magos lendários.
Era a vida que Lucien sempre quisera.
Mas ent?o... por que aquela dor nunca ia embora?
Era uma pontada inc?moda, sempre presente, crescendo em intensidade a cada dia.
No come?o, ele tentou ignorar.
Mas com o tempo, come?ou a notar pequenas falhas.
Coisas estranhas.
Momentos que pareciam... errados.
Como no dia em que estava na pra?a e viu um homem estranho olhando para ele.
O homem era alto e vestia uma túnica escura. Seu rosto era indistinto, como se estivesse coberto por sombras.
Lucien piscou, e o homem desapareceu.
Mas a dor no peito ficou mais forte.
Certa noite, ele acordou suando frio.
A luz da lua entrava pela janela, iluminando seu quarto.
Lucy dormia profundamente na cama ao lado.
Ele levou uma m?o ao peito.
A dor.
Por que ela n?o sumia?
Ele tinha tudo agora.
Ent?o por que sentia que algo estava faltando?
O que estava errado?
Ele fechou os olhos, tentando afastar o pensamento.
N?o importava.
Ele estava feliz.
E era isso que importava.
Os dias continuaram.
Ele continuou vivendo sua vida perfeita.
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Os dias continuavam passando na ilus?o de Lucien, cada um repleto de felicidade e momentos que pareciam esculpidos pela perfei??o. Sua casa era acolhedora, seus pais amorosos, e sua irm? sempre sorria ao seu lado. Era um mundo onde a fome, o medo e a dor n?o existiam.
Mas a dor no peito persistia.
Era um inc?modo leve no come?o, uma pontada sutil sempre presente, como uma lembran?a distante de algo que ele n?o conseguia entender. Mas conforme os dias passavam, a dor se intensificava. às vezes, vinha como um aperto sufocante, outras vezes como um peso esmagador.
Lucien tentava ignorá-la.
Ele n?o queria que nada estragasse sua vida perfeita.
Mas ent?o come?aram os pesadelos.
Na primeira noite, ele sonhou que estava em um beco escuro.
Chovia forte, e ele estava encharcado, os pés descal?os pisando na lama fria. O cheiro de podrid?o impregnava o ar, e sua barriga doía de fome. Ao seu lado, Lucy tremia, os olhos arregalados de medo.
— Lucien... eu estou com fome...
Ele tentou responder, mas sua voz n?o saiu.
A frente deles, dois homens encapuzados se aproximavam, sombras escuras que pareciam crescer a cada passo.
Ele agarrou a m?o de sua irm? e correu, mas seus pés estavam pesados, como se estivesse afundando na lama.
Os homens se aproximavam cada vez mais.
Ent?o ele ouviu o grito de Lucy.
Ele se virou a tempo de vê-la ser arrancada de seus bra?os.
— N?O! — Ele gritou, tentando correr até ela, mas seu corpo n?o se movia.
Lucy chorava, estendendo a m?o para ele.
— L-Lucien, me ajuda!
Ele lutou contra a paralisia, tentou gritar, tentou correr.
Mas tudo escureceu.
E ele acordou com um sobressalto, ofegante, o cora??o martelando no peito.
O quarto ainda estava banhado pelo luar, e Lucy dormia pacificamente ao seu lado.
Ele passou a m?o pelo rosto, tentando afastar a sensa??o sufocante que o sonho lhe causara.
Era apenas um pesadelo.
Apenas um pesadelo...
Mas a dor no peito estava mais forte agora.
As noites seguintes trouxeram mais pesadelos.
Em um deles, ele voltou para casa e encontrou sua m?e caída no ch?o da cozinha, o olhar vazio fixo no teto. Sua pele estava pálida como cera, e um filete de sangue escorria de sua boca.
Seu pai estava sentado à mesa, com uma express?o de desespero.
— Eu... eu n?o consegui salvá-la...
Lucien correu até ela, segurando sua m?o fria, tentando acordá-la, tentando negar a verdade.
Mas ela n?o se movia.
O cheiro de p?o recém-assado ainda impregnava o ar.
Ele queria gritar, mas sua voz n?o saía.
No outro sonho, ele e Lucy estavam sentados em um canto escuro, abra?ados um ao outro, enquanto seus est?magos roncavam de fome.
— O que vamos comer hoje? — Lucy perguntou com a voz fraca.
Ele n?o sabia o que responder.
N?o havia comida.
N?o havia ninguém para ajudá-los.
A fome era como uma fera devorando-os por dentro, e a única coisa que ele podia fazer era apertar Lucy contra si e esperar que o tormento passasse.
Mas ele sabia que n?o passaria.
Lucy come?ou a chorar baixinho, o som ecoando no beco escuro onde estavam escondidos.
— Eu n?o quero mais brincar disso, Lucien...
— N?o é um jogo, Lucy...
Ela solu?ou.
— Ent?o por que estamos vivendo assim? Por que mam?e e papai n?o est?o aqui?
Lucien abriu a boca para responder, mas percebeu que n?o sabia a resposta. Ele olhou ao redor, buscando qualquer sinal de sua casa, de seus pais, de sua vida perfeita...
Mas tudo o que havia ali era escurid?o.
E ent?o, como se uma sombra estivesse rastejando por sua mente, uma lembran?a antiga come?ou a se formar.
A dor no peito ficou insuportável.
Por que ele n?o se lembrava de como havia chegado ali?
O suor escorria por sua testa. Ele respirava com dificuldade.
N?o fazia sentido.
Ele piscou, tentando se agarrar à imagem de sua vida perfeita, de sua casa confortável, de seus pais sorrindo para ele...
Mas cada vez que tentava segurar essa realidade, ela parecia escapar por entre seus dedos, como areia sendo levada pelo vento.
E ent?o, ele acordou novamente.
A luz do sol passava pelas cortinas de seu quarto. O cheiro do café da manh? preparado por sua m?e preenchia o ar.
Lucy apareceu na porta, os olhos brilhando de alegria.
— Anda logo, Lucien! Você vai se atrasar para a escola!
Ele olhou para ela, confuso.
O pesadelo... n?o havia sido real?
Ele levou a m?o ao peito.
A dor ainda estava lá.
E algo dentro dele sussurrava que essa felicidade era uma mentira.
Mas ele a ignorou.
Ele queria continuar vivendo naquele sonho.
Ele queria continuar acreditando.
Tudo parecia t?o... perfeito.
Ele se sentou na cama, esfregando o rosto com as m?os.
Foi só um pesadelo, ele tentou se convencer.
Mas ent?o, por que ainda sentia aquela dor no peito?
Por que os pesadelos pareciam t?o reais?
Mais reais do que essa vida perfeita?
Lucien n?o queria admitir, mas algo dentro dele sussurrava que algo estava errado. N?o era apenas a dor, n?o era apenas a sensa??o inc?moda que teimava em permanecer com ele mesmo depois de acordar. Era a forma como aqueles pesadelos pareciam... verdadeiros.
Ele lembrava da fome corroendo seu est?mago, do frio das ruas durante a noite, dos olhares julgadores das pessoas quando passavam por ele e por Lucy, fingindo que n?o os viam. Ele lembrava da necessidade de roubar para sobreviver, dos dias em que n?o conseguia nada e precisavam dividir um peda?o de p?o duro para enganar a fome.
Ele lembrava da dor da perda.
E essas lembran?as eram t?o vívidas que ele podia senti-las, como se realmente tivesse vivido tudo aquilo.
Mas isso n?o fazia sentido.
Seus pais estavam vivos. Eles eram felizes. Eles n?o precisavam se preocupar com comida ou abrigo.
Ent?o... o que era aquilo?
Lucien balan?ou a cabe?a, tentando afastar os pensamentos inquietantes.
Ele saiu da cama e caminhou até a porta do quarto, determinado a esquecer aqueles pesadelos. Mas ao tocar a ma?aneta, hesitou.
A sensa??o ruim n?o ia embora.
Ele n?o sabia dizer o porquê, mas sentia que, se continuasse ignorando aquilo, algo terrível aconteceria.
Lucien caminhava pela casa, o cora??o acelerado no peito. Tudo parecia perfeito. Perfeito demais.
Seus pais estavam vivos, sorridentes como sempre. Sua m?e cantarolava na cozinha enquanto preparava o café da manh?, e seu pai lia um jornal na sala, os óculos pendendo levemente sobre o nariz. O cheiro do p?o recém-assado pairava no ar, quente e reconfortante.
Ele sentou-se à mesa, e sua m?e colocou um prato à sua frente. P?o fresco, frutas, um copo de leite. Ele pegou um peda?o e o levou à boca, sentindo o sabor suave. Era real.
Era real... n?o era?
Seu olhar passeou pela sala. Os móveis eram os mesmos de sua infancia, a decora??o idêntica à que ele se lembrava. Mas algo parecia errado. Como se fosse tudo um cenário montado para ele.
O riso de sua irm? ecoou pelo corredor, leve e inocente. Era o som mais doce que ele conhecia, mas... algo estava errado com ele também.
Ele olhou para sua m?e, que sorria amorosamente.
— Está tudo bem, querido?
A voz dela era gentil, familiar. Mas por que ele sentiu um arrepio ao ouvi-la?
Ele olhou para seu pai, que lhe lan?ou um olhar calmo e reconfortante.
— Você parece pensativo, filho.
Sim... ele estava pensativo.
O p?o em sua m?o come?ou a parecer mais pesado.
A cada segundo que passava, uma sensa??o crescente de desorienta??o se instalava em sua mente.
Ele se levantou, suando frio.
— Eu... preciso lavar o rosto.
Nenhum deles o impediu. Apenas continuaram sorrindo, como se nada estivesse errado.
Lucien caminhou pelo corredor, cada passo ecoando em sua mente como se estivesse mais distante do que deveria. O mundo ao seu redor parecia levemente distorcido, como uma pintura em que as cores come?aram a escorrer.
Ele chegou ao banheiro, as m?os tremendo levemente ao abrir a porta.
Luz fraca. Azulejos frios sob seus pés descal?os.
Ele respirou fundo e levantou o olhar.
O espelho estava ali, grande e imponente.
Mas algo estava errado.
Muito errado.
N?o havia ninguém ali.
Seus olhos se arregalaram. Ele piscou, esfregou os olhos, tentando afastar a ilus?o. Mas n?o era uma ilus?o.
O espelho refletia o banheiro, as paredes, o ch?o, até mesmo a porta atrás dele.
Mas ele n?o estava ali.
Seu reflexo simplesmente n?o existia.
O cora??o de Lucien disparou.
Ele levantou a m?o e a colocou contra a superfície fria do vidro. Nada. Nenhuma sombra, nenhum contorno. Apenas o vazio.
N?o. Isso n?o era possível.
Ele existia. Ele estava ali.
Ent?o por que... por que ele n?o estava vendo a si mesmo?
O mundo ao redor pareceu estremecer levemente.
Lucien sentiu o suor escorrer pela testa.
Aquela vida... aquela alegria...
Tudo aquilo era...
Ele recuou um passo, o peito subindo e descendo em respira??es aceleradas.
O que estava acontecendo?