Lucy sentiu o tempo escorrer como areia entre os dedos. Cada minuto sem notícias de Lucien era um peso em seu peito, tornando cada respira??o mais difícil. Ele deveria ter voltado. O sol já havia nascido e se posto mais uma vez, e seu irm?o ainda n?o estava ali.
A pequena estalagem onde a mulher do café morava era simples, mas aconchegante. O cheiro de p?o recém-assado e chá quente pairava no ar, misturando-se com o riso ocasional das crian?as. Para Lucy, no entanto, tudo parecia abafado, distante. Como se estivesse presa dentro de uma bolha de preocupa??o.
Lucien a havia deixado ali com promessas de que voltaria antes do amanhecer. Que ela só precisava esperar.
Mas ele n?o voltou.
Lucy estava sentada em um canto do pequeno quarto onde dormia, os joelhos dobrados contra o peito, os dedos pequenos apertando os bra?os com for?a. O dia passava lento, e, por mais que tentasse se distrair, a ausência de Lucien fazia cada segundo pesar o dobro.
A mulher do café – seu nome era Marília – tentava ao máximo deixar Lucy confortável. Ela era gentil, do jeito que Lucy imaginava que m?es deveriam ser. N?o que Lucy se lembrasse muito bem da própria m?e. Ela era apenas um borr?o quente em suas memórias, um perfume esquecido, um abra?o distante.
Assistir Marília cuidar de seus filhos fazia algo doer dentro dela.
Era assim que deveria ser?
Marília tinha dois filhos, um garoto chamado Tobias, que tinha a mesma idade de Lucy, e um menor, Daniel, que ainda era pequeno demais para entender as coisas ao seu redor. Ele gostava de se agarrar às saias da m?e, rindo e balbuciando coisas que só ele compreendia.
Lucy n?o tinha ninguém assim.
Só tinha Lucien.
Ela olhou pela janela, observando o céu escurecer pouco a pouco. O tempo esfriava, e ela sentiu um arrepio, mesmo estando dentro da casa.
Lucien sempre estava lá. Sempre encontrava um jeito de voltar. Ele nunca quebrava promessas.
Ent?o por que agora ele n?o voltava?
Pela manh?, Marília a convidou para tomar o café junto com seus filhos. A mesa era simples, com p?o caseiro, geleia e um pouco de queijo. Lucy n?o queria comer, mas sabia que Lucien ficaria bravo se ela recusasse. Ele sempre insistia para que ela comesse direito, mesmo quando ele próprio ficava sem jantar para que ela tivesse uma refei??o decente.
Marília colocou um prato diante dela e sorriu de um jeito que Lucy achou estranho.
— Você parece cansada, pequena. Dormiu bem?
Lucy assentiu com a cabe?a, mentindo. N?o dormiu nem um pouco. Cada barulho na rua a fazia se sobressaltar, acreditando que fosse Lucien retornando. Mas a porta nunca se abriu para ele.
Tobias, o filho mais velho, olhou para ela com um olhar curioso.
— Onde está seu irm?o?
Lucy estremeceu, e Marília lan?ou um olhar repreendedor ao filho.
— Tobias, n?o seja indelicado.
Ele encolheu os ombros.
— Só perguntei. Ela parece preocupada.
Lucy apertou os punhos no colo, encarando o p?o à sua frente. Sim, ela estava preocupada. Estava apavorada. Mas n?o queria falar sobre isso.
— Ele vai voltar. — Sua voz saiu pequena, mas cheia de convic??o.
Marília suspirou, mas n?o disse nada.
Após o café, Lucy tentou ajudar com as tarefas da casa, mas a verdade era que ela n?o sabia fazer muita coisa. Nunca teve uma casa fixa por tempo suficiente para aprender como funcionavam certas rotinas. Lucien sempre cuidava disso, encontrando um jeito de manter os dois seguros e alimentados.
Marília percebeu sua hesita??o e sorriu.
— N?o precisa ajudar, querida. Você é uma visita.
Lucy balan?ou a cabe?a.
— Eu quero ajudar.
Marília pareceu surpresa, mas ent?o entregou um pequeno pano a ela.
— Pode secar a lou?a, ent?o.
Lucy fez o que podia. Foi estranho… diferente. Um dia inteiro vivendo como se fosse parte de uma família normal.
Ela n?o sabia como se sentir em rela??o a isso.
O sol desapareceu no horizonte, pintando o céu de laranja e roxo. Lucy sentiu o peito apertar ainda mais. O dia inteiro se passou e Lucien n?o voltou.
E se…?
Ela balan?ou a cabe?a, recusando-se a pensar em coisas ruins.
Marília notou a tens?o na menina e se aproximou, sentando-se ao seu lado.
— Lucy… você quer me contar o que está acontecendo?
Lucy apertou as m?os contra o tecido da saia.
— Eu só… estou esperando o Lucien. Ele disse que voltaria.
Marília suspirou e passou a m?o pelos cabelos dela, um gesto t?o natural e gentil que Lucy se encolheu de leve.
— Você confia nele, n?o é?
— Mais do que qualquer pessoa no mundo. — A voz dela vacilou, quase se quebrando.
Marília sorriu, mas era um sorriso melancólico.
— Ent?o ele vai voltar.
Lucy queria acreditar nisso. Queria muito. Mas por que seu peito doía tanto?
Tobias apareceu no c?modo, seu olhar curioso se tornando cauteloso.
— Lucy… você quer que eu espere com você lá fora?
Ela piscou, surpresa.
— O quê?
— Você tá nervosa. Eu posso te fazer companhia até ele chegar.
Lucy olhou para ele por um momento, sem saber o que dizer. Tobias n?o a conhecia direito. N?o tinha motivo algum para se importar. Mas ali estava ele, oferecendo companhia.
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Ela apertou os lábios e balan?ou a cabe?a.
— Obrigada, mas eu vou esperar aqui.
Tobias n?o insistiu. Apenas assentiu e se retirou.
Marília se levantou.
— Se precisar de algo, me chame, tudo bem?
Lucy assentiu, e ent?o ficou sozinha novamente.
Ela voltou para a janela, observando a rua quase vazia.
Lucien… onde você está?
O medo se tornou uma criatura viva dentro dela. E se ele n?o voltasse?
Lucy estremeceu. N?o. Ela n?o podia pensar nisso. Lucien sempre encontrava um jeito. Ele tinha que encontrar um jeito.
Mas conforme a noite avan?ava, e ele n?o aparecia, Lucy sentiu a primeira sombra do verdadeiro terror.
E se… dessa vez… ele n?o voltasse?
Agora que Lucy já estava ansiosa pelo desaparecimento de Lucien, o súbito barulho do lado de fora a fez estremecer.
Gritos ecoavam pelas ruas, seguidos pelo som pesado de botas batendo contra o ch?o de pedra. Cavalos relinchavam e o barulho metálico de armaduras tilintando dominava o ar. O tumulto crescia rapidamente, e n?o demorou muito para que batidas violentas come?assem a soar nas portas das casas.
— Por ordem da Guarda Real, todos devem sair imediatamente! — uma voz autoritária rugiu.
Lucy sentiu seu cora??o disparar. Seu instinto dizia que aquilo tinha algo a ver com Lucien.
Marília, que estava lavando os pratos na cozinha, franziu o cenho e enxugou as m?os depressa. Seus filhos, assustados, se encolheram próximos a ela. A mulher olhou para Lucy com preocupa??o antes de correr até a porta e abri-la com cautela.
Lá fora, um grupo de cavaleiros fortemente armados marchava entre as casas, revistando tudo. Alguns carregavam tochas, iluminando as ruelas escuras, enquanto outros arrastavam moradores para fora de suas casas, exigindo respostas.
— Estamos procurando um garoto! Cabelos negros, magro, olhos afiados! Quem o esconde será considerado cúmplice!
O cora??o de Lucy quase parou. Eles estavam procurando por Lucien.
O sangue de Lucy gelou. Seu corpo inteiro ficou rígido, os olhos arregalados fixos nos cavaleiros imponentes do lado de fora. O medo subiu como uma onda sufocante. Lucien… eles est?o atrás dele.
Ela quis correr, se esconder, mas para onde? O que faria se descobrissem que ela era sua irm?? O que fariam com ela?
Os filhos de Marília se agarraram a m?e, assustados com a presen?a dos cavaleiros. A mulher franziu a testa, respirando fundo para manter a calma. Lucy percebeu que, por um breve momento, Marília hesitou.
Ela conhecia Lucien. Sabia que ele era apenas um garoto tentando sobreviver. Mas também sabia que esconder informa??es poderia colocar sua família em risco.
Um dos cavaleiros se aproximou da porta aberta, a armadura reluzindo sob a luz das tochas. Ele a encarou com olhos frios e impacientes.
— Você viu alguém com essa descri??o? — perguntou ele, segurando o cabo da espada presa ao cinto.
Marília manteve a express?o neutra. Lucy prendeu a respira??o.
A mulher olhou para os filhos, depois para Lucy. Um segundo de silêncio pareceu durar uma eternidade.
— N?o — respondeu firme, cruzando os bra?os.
O cavaleiro estreitou os olhos.
— Tem certeza? Se descobrirmos que mentiu, será tratada como cúmplice.
— Eu disse que n?o vi ninguém. — A voz dela era firme, mas seu maxilar estava travado.
O cavaleiro encarou-a por mais alguns segundos, ent?o bufou e se afastou.
— Revistem tudo — ordenou para os outros. — Ele n?o pode ter ido longe.
Lucy só conseguiu respirar novamente quando o homem se afastou. Mas o alívio durou pouco. Eles ainda estavam ali. Ainda procurando.
E Lucien continuava desaparecido.
Lucy sentiu o cora??o martelando no peito enquanto olhava pela janela, observando os cavaleiros revirando becos e arrastando pessoas para interrogatório. O que Lucien havia feito?
Ela sabia que seu irm?o n?o era um santo—ele nunca foi. Desde que se lembrava, ele vivia se metendo em encrenca, mas isso… isso era diferente. Isso n?o era apenas roubar p?o de uma barraca ou enganar algum mercador. Os cavaleiros reais estavam ca?ando ele.
Lucy apertou as m?os com for?a.
“Você prometeu que voltaria logo, Lucien. Você prometeu.”
A angústia tomou conta de seu peito. E se ele estivesse ferido? E se estivesse…
Ela balan?ou a cabe?a. N?o. Lucien sempre deu um jeito. Sempre. Mas… e se dessa vez n?o for assim?
Um medo paralisante percorre sua espinha. Ela esperou-lo.
Lucy se virou para Marília, que observava tudo com uma express?o fechada, os lábios franzidos em uma linha preocupada.
— Eu preciso sair — disse Lucy, já se levantando.
Marília a segurou pelo bra?o com firmeza.
— N?o, você n?o vai.
Lucy tentou se soltar.
— Marília, eu tenho que encontrá-lo! Ele pode estar machucado, ou…
— Lucy — Marília interrompeu, sua voz séria. — Você tem ideia do perigo lá fora? Eles n?o est?o brincando. Se descobrirem que você tem alguma liga??o com ele, n?o vai pensar duas vezes antes de levá-la também.
Lucy olhou para ela, furiosa e desesperada ao mesmo tempo.
— Mas eu n?o posso simplesmente ficar aqui!
— E o que você vai fazer? H?? — Marília estreitou os olhos. — Você n?o pode observá-lo em privacidade. Você nem sabe onde ele está.
A garota mordeu os dias, hesitante.
Marília suspirou e suavizou o Tom.
— Eu sei o que está preocupado, querida. Mas se Lucien estiver vivo, ele encontrará um jeito de voltar. E se n?o estiver… ent?o nada do que fazer agora vai mudar isso.
As palavras foram como um soco no est?mago de Lucy. Ela sentiu a vista emba?ar.
Marília apertou seu ombro.
— Espere. Apenas espere. Por enquanto, é tudo o que podemos fazer.
Lucy queria protestar. Queria gritar. Mas, no fundo, sabia que Marília estava certa. Só que nunca espere foi algo que Lucien ensinou a ela.
A dor era insuportável.
Lucien nunca havia sentido algo assim antes. Seu corpo tremia, o suor frio escorria por sua testa, e a única coisa que conseguia ouvir era o som de sua própria respira??o, entrecortada e fraca. Ele estava quebrado.
Seus dedos latejaram em um sofrimento absurdo. Duas unhas arrancadas. O sangue escorria lentamente, manchando a madeira da cadeira onde estava preso. O homem sem nome n?o teve pressa – ele fez quest?o de arrancá-las devagar.
Lucien abriu os olhos, tentando afastar a dor. Seu rosto estava quente, o gosto metálico de sangue em sua boca. Ele nem sabia mais de onde todo aquele sangue vinha.
O pior de tudo era o silêncio.
O homem sem nome já n?o falava mais com ele. Apenas observei.
Lucien ofegou. A sala parecia menor agora. O cheiro de suor e sangue era sufocante. Ele tentou manter a mente firme, mas tudo em seu corpo implorava por descanso. Ele só queria dormir.
Mas ele n?o podia.
Se dormisse, morreria ali.
A porta rangeu ao ser aberta. Passos ecoaram pelo ch?o de pedra. Lucien n?o preciso erguer a cabe?a para saber quem era. Ele sentiu a presen?a antes mesmo de ouvi-lo.
— Espero que tenha aprovado
tado o descanso, garoto. — A voz do homem sem nome é t?o divertida. Quase. — Porque agora, vamos come?ar de verdade.
Lucien n?o conseguiu conter o arrepio que subiu por sua espinha. Ele queria gritar.
Mas n?o poderia dar esse gosto a ele.