Depois de passar uma noite em claro a pensar quem iria avisar em seguida sobre os ataques das Bruxas da Noite e do seu exército, decidi ir falar com o rei das ínsuas. Na nossa última (e única) conversa, ele contou-me que os seus súbditos estavam a desaparecer, o que eu agora suspeito ter sido uma tentativa das Bruxas da Noite de os enfraquecer antes do ataque final. Além disso, podia sempre dizer à minha mulher que ia visitar os meus avós, em Viana do Castelo, sem aumentar ainda mais as suas suspeitas.
No dia seguinte à minha descoberta da macabra cena nos túneis debaixo de Braga avisei a minha mulher de que ia jantar a casa de meus avós e, depois do trabalho, dirigi-me a Viana.
Na realidade, n?o menti, pois, de facto, visitei os meus avós, e a minha avó obrigou-me a ficar para jantar. Logo depois, porém, deixei a sua casa e contactei um velho amigo para que, mais uma vez, me emprestasse o seu barco.
Encontrámo-nos junto ao rio, no sítio do costume, e, após uma curta conversa sobre o que havia de novo nas nossas vidas (e eu inventar uma resposta para a pergunta "Porque precisas tantas vezes do barco à noite?"), entrei no barco e comecei a remar em dire??o ao Camalh?o, a maior das ínsuas do rio Lima e o local onde se situava o trono do Rei das ínsuas.
Estava a meio caminho quando, na parcamente iluminada e desabitada margem norte do rio, vi um enorme vulto. Parei. Olhei com mais aten??o e apercebi-me de que se tratava de uma criatura humanoide, provavelmente um dos gigantes ao servi?o das Bruxas da Noite. Gra?as ao seu prodigioso tamanho, atravessou o rio a vau, a água dando-lhe pouco acima do joelho, e chegou ao Camalh?o em meros segundos.
Recomecei a remar. Tinha de tentar avisar os habitantes das ínsuas. Ent?o, vi ainda mais vultos na margem, estes de variados tamanhos. Os maiores entraram na água, puxando cordas amarradas, no outro extremo, ao que pareciam ser jangadas, onde seguiam os mais pequenas.
Ao mesmo tempo, comecei a ouvir ruídos no Camalh?o. Os habitantes estavam atentos e tinham detetado o inimigo assim que este surgira. O primeiro gigante parecia estar a ser alvo de uma verdadeira chuva de diminutos projéteis, ao mesmo tempo que os juncos em volta dos seus pés se moviam, provavelmente agitados por pequenas criaturas das ínsuas a atacar corpo-a-corpo. Contudo, o atacante n?o caía, e os seus companheiros prontamente chegaram ao Camalh?o.
A batalha tinha come?ado. Já n?o havia ninguém a quem avisar. Ainda pensei em juntar-me aos habitantes das ínsuas e lutar, mas que podia eu fazer? N?o tinha armas e, mesmo que tivesse, n?o saberia lutar contra aqueles inimigos. Acabei por simplesmente lan?ar ancora e ficar a ver.
Support the creativity of authors by visiting Royal Road for this novel and more.
Apesar de n?o conseguir ver as diminutas criaturas das ínsuas, via os seus projéteis, os movimentos dos juncos e a rea??o do inimigo. Pareciam estar a lutar bem. Vi vários dos monstros mais pequenos ao servi?o das Bruxas da Noite cair, e o primeiro gigante a chegar ao Camalh?o obrigado a ajoelhar-se, embora continuasse a lutar.
Contudo, apesar de todo este esfor?o, os invasores continuavam a avan?ar. N?o conseguia ver as baixas que provocavam, mas tinha de assumir que eram significativas.
Embora lenta, a sua vitória parecia certa, até que os juncos à sua volta se come?aram a mexer. Em quest?o de segundos, cresceram e enrolaram-se, formando cordas e redes que prenderam os invasores.
Logo em seguida, uma forma com uns quatro metros de altura surgiu mais acima no Camalh?o, provavelmente saída de uma das muitas regueiras que atravessavam a ínsua. Armado com uma enorme clava, atacou o gigante ajoelhado, esmagando-lhe a cabe?a. Só podia tratar-se do Rei das ínsuas.
Com o inimigo paralisado e o seu monarca a seu lado, os habitantes das ínsuas redobraram os seus esfor?os, e muitos dos invasores caíram. Mais continuavam a chegar da margem, mas, mal punham os pés no Camalh?o, eram imediatamente presos pelos juncos. A vitória dos habitantes das ínsuas come?ava a parecer n?o só uma possibilidade como quase uma certeza.
Ent?o, algo passou a voar sobre mim. Olhei para o céu e vi cinco figuras encapu?adas abaterem-se sobre o Camalh?o. O vento trazia as suas vozes até mim, entoando os canticos que invocavam os seus feiti?os. O primeiro fez com que os juncos na área do combate e à sua volta apodrecessem e se desfizessem, libertando os soldados das Bruxas da Noite, enquanto os seguintes fizeram cair uma verdadeira torrente de bolas de chamas sobre o Rei das ínsuas.
Este usou os seus próprios feiti?os para se defender, erguendo barreiras invisíveis para bloquear os ataques inimigos. No entanto, atacado de várias dire??es, n?o conseguiu aguentar durante muito tempo. Ao fim de poucos minutos, vi-o cair. Depois disso, as criaturas atacantes rapidamente se espalharam por todo o Camalh?o.
Pequenos barcos, carregando grupos das diminutas criaturas que ali habitavam, come?aram a deixar a ínsua, tentando fugir para uma das outras. Porém, n?o eram muitos, e dificilmente poderiam montar uma resistência caso as Bruxas da Noite decidissem conquistar o resto do seu reino. Para todos os efeitos, a batalha estava terminada.
Remei de volta à margem. Em alguns pontos desta, assim como na ponte que atravessava o rio e passava sobre o Camalh?o, vi algumas pessoas a tentar perceber o que estava a acontecer na ilha. Duvido que tivessem percebido exatamente o que estavam a ver e, mesmo que percebessem, n?o eram suficientes para revelar aquele mundo escondido do nosso. Ainda assim, certamente que Almeida e o resto da Organiza??o n?o iam ficar felizes.
Na viagem de regresso a casa, n?o conseguia deixar de pensar que as Bruxas da Noite tinham obtido outra vitória. Qualquer que fosse o seu objetivo, estavam mais perto de alcan?á-lo.
E eu, mais uma vez, tinha chegado tarde para avisar as suas vítimas.