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Capítulo 9 - Herdeiro Forten

  O choque durou um instante. Depois, a tempestade veio. Garlei n?o perguntou. N?o hesitou.

  A vis?o de Nwyn machucado acendeu algo dentro dele, algo que queimava fundo. Seus pés se moveram antes que sua mente processasse—um instante depois, sua m?o já agarrava o colarinho do interrogador, empurrando-o de volta para dentro da sala.

  O baque do corpo do homem contra a parede foi seco.

  — Quem fez isso com ele?! — A voz de Garlei era grave, carregada de um veneno contido.

  O interrogador sequer se assustou. Seu corpo se curvou levemente contra a parede, mas sua express?o permaneceu controlada. Ele sequer tentou se desvencilhar.

  Apenas riu baixo.

  — Se n?o fosse o herdeiro Forten, eu já teria enfiado uma lamina entre suas costelas.

  A frase mal havia terminado quando sua m?o se moveu rápido. A lamina brilhou sob a luz trêmula da sala, curta e afiada, apontada diretamente para a lateral do tronco de Garlei.

  Os olhos castanhos de Garlei faiscaram. Seus dedos ainda estavam cerrados no colarinho do homem, os músculos do bra?o rígidos, como se ele estivesse decidindo se esmagaria o cranio do interrogador contra a parede antes que a lamina se movesse.

  O interrogador apenas sorriu, a faca posicionada de um jeito que deixava claro: ele n?o hesitaria em usar.

  — Você pode tentar me matar, herdeiro. — Sua voz saiu quase divertida. — Mas eu garanto que sua camisa ficará vermelha antes disso.

  Os segundos se arrastaram.

  — Garlei. — A voz de Nwyn, rouca e exausta, cortou o ar. Garlei n?o olhou imediatamente. Mas seus dedos afrouxaram um pouco no colarinho do homem. — Ele n?o fez nada. — O interrogador virou levemente a cabe?a, como um animal avaliando o novo som. — Só fez perguntas.

  A lamina do interrogador permaneceu suspensa por um momento, depois recuou lentamente, desaparecendo de volta no cinto, o herdeiro o soltou em seguida.

  — Viu? — Ele ajeitou as dobras do próprio casaco, impassível. — Seu amigo está inteiro. — Garlei, no entanto, continuou imóvel. Seus punhos estavam cerrados, o peito subindo e descendo de forma irregular. O interrogador ajeitou as mangas e deu um passo para trás. — Agora que o herdeiro da cidade está aqui para garantir a seguran?a do garoto, creio que meu tempo acabou.

  Ele se virou para a porta, a abriu e saiu. Garlei permaneceu parado no mesmo lugar, respirando pesado, os ombros rígidos. Nwyn sentiu que, se alguém falasse qualquer coisa errada naquele momento, ele explodiria. O loiro ent?o se virou devagar, os olhos castanhos pousando sobre Nwyn. Havia raiva ali, sim. Mas havia algo mais profundo por trás dela.

  Ele caminhou até a cadeira onde o interrogador estivera e se sentou, ainda tenso.

  — O que aconteceu? — Dessa vez, a voz n?o veio carregada de fúria, mas de algo mais denso.

  Nwyn engoliu seco.

  — Foi tudo t?o rápido... — Garlei esperou. N?o havia impaciência em seu olhar, mas a intensidade ainda estava ali. — Leny e eu viemos para a Central, os porcos est?o doentes.

  — Onde está Leny?

  — N?o sei, ele... ele foi fazer outra coisa e me pediu para comprar o remédio. Eu lembro de sair da loja, andar pela rua... e ent?o, tudo ficou estranho. — Ele passou a língua pelos lábios secos. Sentia o gosto metálico do sangue, mas procurava o gosto da saliva daquela mulher, hesitou em falar sobre ela, temia pelo estado em que o amigo estava. — N?o estranho como um pressentimento ruim. — Nwyn balan?ou a cabe?a, tentando achar as palavras. — Era como se... a realidade tivesse tremido.

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  Garlei franziu o cenho.

  — Tremido?

  Nwyn assentiu, incerto.

  — Eu vi.

  — Viu o quê?

  Nwyn piscou algumas vezes, a cena voltando em flashes na sua cabe?a.

  — Fios vermelhos. — Garlei n?o esbo?ou rea??o, mas seus olhos se estreitaram levemente. — O vento os levava, mas eles n?o se desfaziam. Era como se estivessem vivos. Como se soubessem para onde estavam indo. — Ele passou a m?o pelo rosto, cansado. — Depois, havia uma montanha. N?o a Montanha Velha. Era mais larga. Uma cordilheira inteira. No ch?o... — Fechou os olhos por um instante. A vis?o ainda estava cravada em sua mente. — No ch?o havia um campo de flores. E um po?o.

  Garlei manteve o olhar fixo nele, absorvendo cada detalhe.

  — Ent?o veio a garra. — As palavras saíram baixas, mas carregadas de uma inquieta??o que nem Nwyn sabia explicar. — Uma garra colossal, monstruosa. Surgiu de lugar nenhum e... esmagou tudo. A montanha rachou. O ch?o rachou. O po?o... se abriu. Depois acordei.

  O silêncio entre os dois ficou mais pesado.

  Garlei n?o se moveu de imediato. — Isso foi um sonho?

  Nwyn balan?ou a cabe?a lentamente.

  — Foi antes de eu ser capturado.

  Isso fez Garlei se inclinar para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, a express?o mais tensa.

  — Você estava acordado?

  — Eu acho que sim. Ou n?o.

  — E depois disso?

  Nwyn massageou as têmporas, sentindo a dor de cabe?a pulsar.

  — Depois disso, eu estava no beco. E ent?o aquele desgra?ado me pegou. — O tom da voz de Nwyn mudou, mais seco, mais consciente da realidade. — Pegou minhas coisas, eu estava confuso e tentei bater nele. N?o deu certo. Mas alguém matou ele, eu só vi um vulto e tinha... O cheiro de tabaco e canela.

  Garlei ficou em silêncio, absorvendo as palavras.

  — O resto, bem... — Mais um instante se passou antes de Nwyn erguer os olhos e perguntar: — Minhas coisas... onde est?o?

  Garlei reagiu de imediato. Ele se virou e fez um gesto para um dos guardas do lado de fora.

  — Traga as coisas dele. Agora.

  O guarda assentiu e saiu rapidamente. Nwyn esfregou os pulsos doloridos, tentando afastar a sensa??o da corda que apertou seu pulso. Mas ent?o, sentiu o peso da raiva voltando para Garlei. Os olhos do loiro estavam diferentes. N?o era só pela vis?o.

  — O que foi?

  Garlei n?o respondeu de imediato. Ent?o, sua voz saiu baixa, mas cortante:

  — Além do bandido... alguém mais te tocou?

  Nwyn hesitou um instante.

  N?o queria dizer. Mas mentir para Garlei nunca fora fácil.

  — Um dos guardas.

  O corpo de Garlei ficou rígido. Sua respira??o mudou. O silêncio na sala ficou sufocante. Ele cerrou os punhos lentamente, e Nwyn percebeu que ele estava se segurando.

  — Você pode reconhecer esse guarda?

  Dessa vez, a voz dele veio carregada de algo frio. Perigoso. A pergunta foi mais uma afirma??o do que uma dúvida. Nwyn percebeu que, se dissesse sim, Garlei n?o hesitaria. Ele encontraria o homem. Ele faria algo. E, naquele momento, Nwyn n?o queria mais nada disso. Ele soltou um suspiro longo, sentindo o próprio corpo ceder ao cansa?o.

  — Garlei... — O loiro n?o desviou os olhos dele. Nwyn passou uma m?o pelo rosto, os olhos pesados. — Estou com sono. — Garlei piscou, como se n?o tivesse entendido de imediato. — E cansado — acrescentou Nwyn, a voz arrastada.

  Garlei ficou em silêncio. A raiva ainda estava lá, fervendo sob sua pele. Mas ent?o, ele olhou melhor para Nwyn—de verdade. Os ombros caídos. O olhar opaco. O jeito como seus dedos ainda pareciam querer agarrar algo, mas já sem for?a para isso. Ele queria lutar essa batalha por ele. Mas Nwyn... Nwyn só queria dormir. O ar ao redor deles pareceu mudar. O corpo de Garlei, antes rígido, perdeu parte da tens?o. Seus punhos lentamente se abriram.

  Ele desviou o olhar.

  — Certo.

  O único resquício de sua frustra??o veio na forma de um suspiro pesado. Nwyn assentiu levemente e fechou os olhos por um instante. Garlei n?o gostava disso. N?o gostava de deixar passar. Mas, por ele, por agora... Ele deixaria.

  O guarda retornou, trazendo um pequeno embrulho nas m?os. N?o parecia muito—somente um pano velho e um fragmento quebrado de algo que um dia foi uma máscara. Ele os colocou sobre a mesa, diante de Nwyn, antes de se afastar sem dizer uma palavra.

  Nwyn pegou os objetos lentamente. O tecido desgastado deslizou por seus dedos. O peda?o da máscara parecia mais frágil do que ele lembrava. Um suspiro escapou de seus lábios, mas ele os guardou sem hesita??o.

  Quando ergueu os olhos, Garlei ainda o observava. Dessa vez, n?o havia raiva ali. Apenas um olhar avaliativo, preocupado. O silêncio se estendeu, mas n?o era desconfortável. Ent?o, Garlei se moveu.

  — Você vem comigo.

  Nwyn piscou, confuso.

  — O quê?

  — Vai para minha casa. — O tom dele n?o era um convite. Era uma decis?o. — Você vai tomar um banho, comer alguma coisa e dormir.

  Nwyn hesitou.

  — Garlei, eu...

  — Sem discuss?o. — A firmeza na voz dele fez Nwyn soltar um suspiro. Ele n?o tinha energia para discutir. E, no fundo, sabia que precisava disso.

  Garlei percebeu sua rendi??o e assentiu, satisfeito.

  — Vou mandar meus homens procurarem por Leny. Se ele estiver por aí, nós o acharemos.

  Isso pegou Nwyn de surpresa.

  — Você n?o precisa fazer isso.

  Garlei estreitou os olhos para ele.

  — Claro que preciso, você foi agredido na minha cidade, até mesmo um de meus homens fez parte disso.

  Havia algo inegociável na voz dele. Algo que fez Nwyn simplesmente aceitar. E, pela primeira vez desde que tudo come?ou, ele sentiu que podia respirar.

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